Matança em Boticas - Foto de Rogério C.Monteiro
O CICLO DOURADO DO PORCO – SUÍNO – RECO – e senhor de outros epítetos, começou com o frio das geadas em terras transmontanas que veio, associado a outras formas de cura, introduzir nas suas carnes características ímpares.
Das aldeias de Barroso (concelhos de Montalegre e Boticas), passando pelas dos concelhos de Chaves, Vila Pouca de Aguiar, Valpaços, até aos confins de Vinhais, Parque de Montesinho e Terras de Miranda, as festas em honra do “Rei Cevado” com batatas, castanhas, hortaliças, cereais, farelos, farinhas e mimos das patroas, tudo gira à volta das honrarias devidas aos mortos que vão ser mensageiros da riqueza gastronómica proporcionada pelos sabores provenientes de corpos vestidos de porcaria enquanto vivos e de brancura depois de mortos e que em boas mesas vão ser fontes de alegria pelos sabores e perfumes que palpitam dos salpicões, das alheiras, das chouriças, dos presuntos e dos cozidos à barrosã ou dos cozidos à portuguesa.
A vida é assim mesmo: a tristeza de uns redunda na alegria de outros.
Os gritos da despedida vão ouvir-se pelas quebradas dos montes. Mas isso vai ser tempo de pouca “dura” … Outros vão recebê-los em festa até ao tempo da “Quaresma”, mas os que têm “nota” não vão esquecer os reis da gastronomia ibérica ao longo de todo o ano, quer nos restaurantes mais humildes, quer nos das “estrelas Michelin”.
Todos fazemos vida de ricos quando saboreamos os “reis” alimentados e acarinhados durante meses por humildes camponeses.
«Do porco, nada se perde; tudo se transforma em manjar dos deuses»: excepto os dos muçulmanos… .
Oxalá que os tratadores dos porcos em Trás-os-Montes venham, um dia, a ser tratados pelos grandes de Portugal com a mesma afeição com que eles tratam os reis porcos, vitelos, galos e outras aves e animais que depois de mortos continuarão a prestigiar Portugal por esse mundo fora.
Artur Monteiro do Couto