88 anos de idade - pesa 28 quilos
De miúdos habituámo-nos a cantar:
«Ai, não há gente
Mais valente e prazenteira
Do que esta cá da fronteira
Do Norte de Portugal.
Nem tão alegre
Como a tua ó Montalegre
Gente forte cá do norte
Que nada teme afinal.»
(…)
É Montalegre o meu suave cantinho
Chamem-lhe embora os outros Terra Fria
(…)
Foi assim que saudosamente se repetiu esta marcha-canção na CTMAD
(Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro de Lisboa), num local privilegiado da capital onde abundam os hotéis e casas de luxo, aquecidas de Inverno e refrescadas de Verão, no dia 24 de Março, numa reunião de Barrosões.
Antes de degustar o cozido à barrosã, dinamizado pela Lurdes e o António Medeiros Amaro, saboreámos as belíssimas imagens históricas e paisagísticas de um concelho do tamanho da Ilha da Madeira, realçando-se a figura de D. Nuno Álvares Pereira, familiarmente ligado a Salto, e a do Descobridor da Costa Califórnia, Rodrigues Cabrilho, nascido em Lapela nas fraldas do Gerês.
A descrição oral das bênçãos e desgraças da Terra Fria saiu fluentemente do talento e da acumulação de saberes do Professor Orlando Alves que, sem papas na língua, fez uma análise esclarecedora das razões que obrigaram tantos Barrosões a abandonar o seu ninho construído sobre a miséria económica que os viu crescer , alguns esfomeados e descalços, o que tudo acumulado, os obrigou a dizer adeus, com as lágrimas nos olhos e o coração a sangrar, aos familiares, aos cães, às ovelhas, às vacas e aos brinquedos feitos pelo fio das navalhas compradas na Feira dos Santos. Aquela violência moral da partida, fortaleceu o desejo de voltar e contribuir solidariamente para alterar aquele frio intenso que esmagava os corpos e as almas. E muitos, conquistaram o sucesso em terra alheia, lá pelas Américas, pelos montes, vales e cidades da Europa, transformando as lágrimas em sorrisos e a sorrir voltaram para substituir a miséria por uma qualidade de vida aceitável para os que partiram e para os que ficaram.
Em Lisboa, no Porto e no Portugal do litoral, também vieram assentar arraiais muitos de nós. Uns mais privilegiados outros mais castigados, todos fomos dando as mãos, ajudando-nos mutuamente, cá longe, e a solidariedade foi-se alimentando nas diferentes Casas de Trás-os-Montes das diferentes localidades distantes, onde os transmontanos matavam saudades das origens.
Foi exactamente na Casa Transmontana de Lisboa que se reviveram as origens barrosãs. Desta vez, sentiu-se e cantaram-se as virtudes e o progresso operado dentro dos 800 quilómetros quadrados do concelho de Montalegre. Além das tradicionais bruxas e bruxedos do Padre António Fontes, há hotéis, bons meios de comunicação, riqueza gastronómica, televisão digital, modernas telecomunicações, tudo o que a vida moderna nos oferece e uma solidariedade humana bem visível nas práticas comunitárias diárias. Continua a lamentar-se o desprezo institucional pelos que trabalham a terra e que, continuamente, vêem as florestas dos seus baldios a serem impiedosamente queimadas e o fruto do seu trabalho agrícola a ser desprezado por quem tem o dever de os apoiar.
Vivamos nós em Lisboa, nas grandes cidades ou em países ricos como a França, Alemanha, Suíça, ou nas Américas do Norte ou do Sul, temos de levantar a nossa voz e dar o nosso apoio àqueles que por lá ficaram a defender as nossas origens, a nossa cultura e aquilo que sempre nos acompanha durante a nossa existência: a harmonia, a paz social e as portas abertas aos vizinhos, para que não passem fome nem morram abandonados e permaneçam mortos em casa durante meses ou anos sem ninguém saber deles. As populações caminha a passos largos para o envelhecimento e, infelizmente, nem todos os mais idosos têm o carinho daquela que vemos na imagem, com 88 anos de idade e com 28 quilos de peso. A Delmira Queiroga vive com os familiares, amigos e conterrâneos no seu coração e no seu pensamento, espalhados por esse mundo fora. As saudades são muitas mas encara a vida com a esperança de os beijar de novo.
Artur Monteiro do Couto