Simples homenagem ao Amigo e Comprovinciano Miguel Torga, (Natal 2007):
«Era uma vez, lá na Judeia, um rei,
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.
E, na verdade, assim acontecia,
Porque um dia
O malvado
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.
Mas
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho,pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenino.
Que o vivo sol da vida acarinhou
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.
Coimbra, 12 de Outubro de 1937
Miguel Torga (Diário-Poesias)
Artur M. Couto