A SOLIDÃO CRIATIVA DO PASTOR
Ser Pastor no Século XXI é uma opção de vida para mim, depois de ter nascido e crescido junto dos animais: vacas, ovelhas, cabras e cães. Frequentei as escolas da aldeia, fiz o equivalente ao actual 6.ºano de escolaridade e sempre me dediquei à observação da natureza, à cultura dos campos e do espírito, lendo livros e ouvindo, na Rádio e Televisão, pessoas que despertavam a minha atenção.
Por circunstâncias familiares, sempre vivi do campo e para o campo, com todos os seus encantos e agruras. Umas vezes cantava, outras vezes chorava, como acontece com quase todos os seres humanos; só que eu senti na carne as rajadas dos ventos fortes e o frio da neve e das geadas. Mas como disse o poeta Fernando Pessoa no poema MAR PORTUGUÊS:
«Quem quer ir além do Bojador
Tem de ir além da dor.»,
recordando-nos as dificuldades que muitos marinheiros portugueses sentiram para descobrir as Terras do Oriente.
Eu também tive de ir além da dor, da dureza da vida em que fui criado e que continua em momentos do rigoroso Inverno em Terras do Barroso, ou debaixo de um calor intenso nos meses de Verão. Este contraste até foi classificado como «nove meses de Inverno e três de Inferno».
Apesar de tudo isso, vivo feliz com a minha família e nada nos falta. Trabalhamos no campo mas vivemos alegres e com o conforto a que numa aldeia se pode aspirar.
Na minha qualidade de Pastor, sou um «Bom Pastor». Trato as minhas ovelhas com carinho, pego-lhe nos filhos ao colo, quando é preciso, e procuro para elas o melhor. Os cães ajudam-me a guardá-las dos lobos; elas também são as minhas grandes amigas. Dão-me a qualidade de vida que tenho, juntamente com os apoios que recebo da Comunidade Europeia, e percorro os montes atrás delas; umas vezes cantando, outras receoso, com medo das trovoadas; e,
nos momentos de solidão começam a nascer pensamentos criativos que fazem de mim um poeta popular (até já recitei alguns poemas em directo para os ouvintes da Rádio Larouco, de Chaves, e o jornalista Sérgio Mota aproveitou e fez-
-me uma entrevista via telemóvel). Penso no Património que os nossos antepassados nos deixaram: nas igrejas e capelas, nos cruzeiros, nas sepulturas antropomórficas, nos moinhos, nas cantigas populares, na maneira como se vestiam e calçavam, nos caldos de farinha e nas castanhas que comiam para se alimentar.
Enfim, vivo momentos de sonho e de ilusão a partir de uma realidade que muitos rejeitam pelos seus espinhos, mas esta vida dura também tem os seus encantos.
Num fado diz-se: «Quando a tristeza me invade, canto o fado…»
E, eu, penso nos miseráveis que vivem sem abrigo nas cidades e naqueles que à nossa volta querem dar a impressão de que são ricos e não passam de pelintras, mentirosos e ladrões; ou, então, passam a vida a mendigar para lhes arranjarem um emprego e eu, aqui, sou senhor de belas paisagens, de um ambiente saudável e uma alimentação abundante.
Uma das ideias que renasceu da solidão foi produzir mais este filme para servir de testemunho histórico aos vindouros, conhecer as suas origens e respeitarem o passado. Amanhã, também eles serão passado.
Já fiz um filme onde refiro, concretamente, a minha vida de Pastor e os trabalhos no campo.
SAPIÃOS é uma aldeia rica em História. Os documentos confirmam isso. Nós também fazemos parte dessa História e queremos honrá-la dando o nosso humilde contributo.
Alfredo Gomes do Couto
(Pastor)