Foto de Fiães do Tâmega -Portugal
« CASA TÍPICA DE PEQUENO LAVRADOR »
«Ao romper da manhã, o Alcino acordou. Pôs-se à escuta.
Não chovia. Pela clarabóia e frinchas da janela entrava difusa a claridade. Aspirou o ar pesado do pequeno quarto e espreguiçou-se. Deitou a roupa para o lado. Olhou para a feliz consorte que dormia. A ele, também lhe apetecia ficar mais um bocado a "chocar os ovos". Mas não o podia fazer. Tinha que ir pensar o gado e ver a tornada do lameiro do “Fojo.”
Saltou para o sobrado. Com os pés firmes, depois de atar os atilhos das ceroulas, vestiu as calças e a camisa. Enfiou os pés nos tamancos e, apressadamente, dirigiu-se a um canto do pátio.
Regressou ao piso superior. Dirigiu, depois, os passos para a varanda. Ali, lavou a cara numa bacia de esmalte encatrafiada num lavatório de ferro. Após a lavagem, rápida, lançou a água pela varanda para o pátio. Limpou-se a uma toalha de estopa. Mas tremia. Dos lados de Barroso, um vento glaciar que cortava como navalhas de barba. Foi ver-se a um espelho dependurado num prego, espetado num dos pilares de madeira.
A casa do Alcino era a típica casa de pequeno lavrador.
Era composta, no rés-do-chão, por um amplo pátio e as lojas dos animais. Ao fundo, debaixo do coberto, recolhia o carro, o arado, a grade, os ladranhos e outras alfaias agrícolas. Numa divisória lateral mais pequena, construída com tábuas a trouxe-mouxe, arrecadava as molhelhas, o jugo, as sogas, as cordas, a gadanha, o gadanho, as seitouras, o machado, as sacholas, a enxada, etc… Do lado oposto, por debaixo do alpendre, ficavam as coelheiras e a arrecadação da lenha.
Na margem esquerda, as duas portas que davam para as cortes separadas; uma, para os bois e outra para o burro e as ovelhas. Do lado de fora, logo à direita de quem subia, uma outra porta que dava para a pequena adega.
Depois de um lanço de oito escadas de pedra, ficava o patamar.
Entrava-se numa varanda de madeira onde, dependurados a esmo, se viam objectos como: chapéus de palha, espigas de milho, duas seitouras velhas e ferrugentas, uns alforges, a albarda do burro, um casaco cheio de remendos, um espelham a que já aludimos, o lavatório com a respectiva bacia, um jarro sempre com água e um regador.
Ao fundo, em paredes – meias com a casa do Celestino, ficava um pequeno compartimento que, em caso de necessidade, servia para quarto de hóspedes
inesperados. Vasos de barro, dois penicos rotos, dois caixotes de sardinhas, três latas velhas e outros recipientes com terra, ornamentavam o frontispício com sardinheiras, manjericos e craveiros. Tudo colocado sobre uma tábua sustentada pelas colunas de pedra, na parte exterior do peitoril. A meio da varanda, para o interior, uma porta que dava para a divisão principal da casa e que servia de cozinha, sala de jantar e arrumação. Lateralmente, à direita, quando se entra, ficam os dois quartos de dormir, separados por um tabique de madeira. Num deles, dorme o casal e no outro os dois garotos. Eram muito semelhantes estes dois quartos, rusticamente mobilados com a cama, o baú (no do casal) e, pregadas na madeira, pagelas de Nossa Senhora da Livração e do Senhor do Monte. Também há um lugar mais enegrecido que corresponde ao prego onde se pendura a candeia. Em pregos caibrais, pendurados, os cabos das cebolas. Iam ficando aliviados à medida que o Inverno corria.
Debaixo da cama, os bacios de barro, para suprir as necessidades prementes durante a noite.
No que concerne à cozinha, a divisão principal, todo o mobiliário lá cabia à vontade e com segurança. Ladeando a lareira, dois escanos serviam de assento e mesa para tomar as refeições, no Inverno. Era agradável jantar e cear com o doce calor da lareira.
Por cima, os lareiros com o fumeiro eram uma tentação para os garotos e para os gatos.»
« Os Carreteiros »
Porfírio Maio Agostinho
RECORDE a vivência e obra do escritor ( N.1947- F 8 Setembro 2003)
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